Em tempos de muita preocupação pelo futuro do nosso país, apresento para descontração, o poema de Klévisson Viana e Bule-Bule, sempre declamado por Rolando Boldrin. No texto a homenagem ao extraordinário Ariano Suassuna e com citações de vários representantes da cultura brasileira.
“Nos palcos do firmamento, Jesus concebeu um plano, de montar um espetáculo, para Deus Pai Soberano, e, ao lembrar de um dramaturgo, mandou buscar Ariano. Jesus mandou-lhe um convite, mas Ariano não leu, estava noutro idioma, ele num canto esqueceu, nem sequer observou quem foi que lhe escreveu. Depois de um tempo, mandou uma segunda missiva. A secretária do artista logo a dita carta arquiva, dizendo: “Viagem longa a meu mestre não cativa”.
Jesus sem ter a resposta disse torcendo o bigode: “Eu vejo que Suassuna e teimoso igual a um bode. Não pode, mas ele pensa que é soberano e pode”! Jesus, já perdendo a calma, apelou pra outro suporte. Para cumprir a missão, autorizou Dona Morte: “Vá buscar o escritor, mas vê se não erra o corte!”.
A morte veio ao país como turista estrangeiro, achando que o Brasil era só Rio de Janeiro. No rastro de Suassuna, sobrou pra Ubaldo Ribeiro. Porém, antes de encontrá-lo, sofreu um constrangimento, passando em Copacabana um malfazejo elemento assaltou ela levando sua foice e documento.
A morte ficou sem rumo e murmurou dessa vez: “Pra não perder a viagem vou vender meu picinez, para comprar outra foice na loja de algum chinês. Por um e noventa e nove a dita foice comprou. Passando a mão pelo aço, viu que ela enferrujou. E disse: “Vai essa mesma, pois comprar outra eu não vou”! A morte saiu bolando, sem direção e sem tino, perguntando a um e a outro pelo escritor nordestino. Obteve informação, gratificando um menino.
Ao encontrar João Ubaldo, viu naufragar o seu plano, se lembrando da imagem disse: “Aqui há um engano”. Perguntou para João, onde é que estava Ariano. Nessa hora João Ubaldo, quase ficando maluco, tomou um susto arretado, quando ali tocou um cuco, mas gaguejando, falou: “Ele mora em Pernambuco”! A morte disse: “Danou-se, dinheiro não tenho mais para viajar tão longe, mas Ariano é sagaz, escapou mais uma vez, vai você mesmo, rapaz”!
Quando chegou lá no Céu, com o escritor baiano, Cristo lhe deu uma bronca: “Já foi baldado o meu plano. Pedi um da Paraíba e você trouxe um baiano. João Ubaldo é talentoso, Porém não escreve tudo, “Viva o Povo Brasileiro” é sua obra de estudo, mas quero peça de humor, que o Céu tá muito sisudo”.
Foi consultar os arquivos pra ressuscitar João, mas achou desnecessário, pois já era ocasião, pra ele vir prestar contas ali na Santa Mansão. Jesus olhou para a Morte e disse assim: “Serafina, vejo não és mais a mesma. Tu já foste mais malina, tá com pena ou tá com medo, responda logo, menina?!” “Jesus, eu vou lhe falar que preciso de dinheiro. Ariano mora bem no Nordeste brasileiro”.
Disse o Cristo: “Tenho pressa, passe lá no financeiro!” “Só faço que é pra o Senhor.
Pra outro, juro não ia”. Ele que se conformasse com o escritor da Bahia. Se dependesse de mim, Ariano não morria.
A morte na internet, comprou passagem barata. Quase morria de susto naquela viagem ingrata. De vez em quando dizia: “Eita que viagem chata”! Uma aeromoça lhe trouxe
duas barras de cereais. Diz ela: “Estou de regime. Por favor, não traga mais, porque se vier eu como, meu apetite é voraz!” Quando chegou no Recife, ficou ela de plantão, na porta de Ariano, com sua foice na mão resmungando: “Qualquer hora ele cai no alçapão!
A morte colonizada, pensando em lhe agradar, uma faixa com uma frase, ela mandou preparar dizendo: “Welcome Ariano”, mas ele não quis entrar. Vendo a tal faixa, Ariano ficou muito revoltado, começou a passar mal, pediu pra ser internado. E a morte foi lhe seguindo para ver o resultado. Eu não sei se Ariano morreu de raiva ou de medo. Que era contra estrangeirismos, isso nunca foi segredo. Certo é que a morte o matou sem lhe tocar com um dedo. Chegou no Céu Ariano, tava a porta escancarada. São Pedro quando o avistou resmungando na calçada, correu logo pra o portão, louvando a sua chegada.
Um anjinho de recado foi chamar o Soberano, dizendo: “O Senhor agora, vai concretizar seu plano. São Pedro mandou dizer que aqui chegou Ariano”. Jesus saiu apressado, apertando o nó da manta e disse assim: “Vou lembrar dessa data como santa! Que a arte de Ariano em toda parte ela encanta”.
São Pedro lá no portão recebeu bem Ariano, que chegou meio areado, meio confuso e sem plano. Ao perceber que morreu, se valeu do Soberano. Com um chapelão de palha, chegou Ascenso Ferreira, o grande Câmara Cascudo, Zé Pacheco e Zé Limeira. João Firmino Cabral, Veio engrossar a fileira. E o próprio João Ubaldo, (Que foi pra lá por engano), veio de braços abertos para abraçar Ariano. E esse falou: “Ubaldo, Morrer não tava em meu plano”!
Logo chegou Jorge Amado e o ator Paulo Goulart. Veio também Chico Anysio que começou a contar, uma anedota engraçada descontraindo o lugar. Logo chegou Jesus Cristo,
Com seu rosto bronzeado. Veio de braços abertos, Suassuna emocionado disse assim: “Esse é o Mestre, O resto é papo furado”! Suassuna que, na vida, sonhou em ser imortal, entrou para Academia, mas percebeu, afinal, que imortal é a vida no plano celestial. Jesus explicou seus planos de fazer uma companhia de teatro e ele era o escritor que queria para escrever suas peças, enchendo o Céu de alegria.
Nisso Ariano responde: “Senhor, eu me sinto honrado, porém escrever uma obra é serviço demorado. Às vezes gasto dez anos para obter resultado”. Nisso Jesus gargalhou e disse: “Fique à vontade. Tempo aqui não é problema, estamos na eternidade e você pode criar na maior tranquilidade”.
Um homem bem pequenino com chapeuzinho banzeiro, com um singelo instrumento,
tocou um coco ligeiro falando da Paraíba: Era Jackson do Pandeiro. Logo chegou Luiz Gonzaga, Lindu do Trio Nordestino, e apontou Dominguinhos, Junto a José Clementino. E o grande Humberto Teixeira, Raul e Zé Marcolino. Depois chegou Marinês com Abdias de lado
e Waldick Soriano, Com um vozeirão impostado, cantou “Torturas de Amor”, como sempre apaixonado. Veio então Silvio Romero com Catulo da Paixão, Suassuna enxugou as lágrimas de emoção e Catulo, com seu pinho, Cantou “Luar do Sertão”. Leandro Gomes de Barros junto a Leonardo Mota, chegou Juvenal Galeno, Otacílio Patriota.
Até Rui Barbosa veio com título de poliglota. chegou Regina Dourado, tocada de emoção, juntinho de Ariano, veio e beijou sua mão, e disse: “Na sua peça quero participação”. Ariano dedicou-se aquele projeto novo. Ao concluir sua peça, Jesus deu o seu aprovo e a peça foi encenada finalmente para o povo. Na peça de Ariano, só participa alma pura. Ariano virou santo, corrigiu sua postura. Lá no Céu ganhou o título “Padroeiro da Cultura.
Os artistas que por ele já nutriam grande encanto, agora estando em apuros, residindo em qualquer canto, lembra de Santo Ariano e acende vela pro santo. Ariano foi Quixote, que lutou de alma pura. Contra a arte descartável vestiu a sua armadura, em qualquer dia do ano eu digo: “Viva Ariano, Padroeiro da Cultura!”
Barbosa Nunes, advogado, ex–radialista, membro da AGI, delegado de polícia aposentado, professor e maçom do Grande Oriente do Brasil – barbosanunes@terra.com.br